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no entulho - residence
Performance with Francisco Antão,
ArtWorks, Vila do Conde, Portugal, 2020
artworks.pt/
“Do som como acção sobre o mundo.
Os Berru são um colectivo de artistas que tem vindo a desenvolver um conjunto de trabalhos baseados não tanto numa ideia de disciplina artística, mas sim numa ideia de
exploração de mecanismos, conceitos a materiais muito diferenciados. Trabalham indistintamente com imagens em movimento, escultura, som, new media sendo que há
sempre um elemento performático e muito dinâmico em todas as obras que desenvolvem.
Esse elemento dinâmico acontece quer no momento da concepção das suas obras, quer na experiência que o público faz delas. Não se trata de uma forma de participação ou de activação das obras, mas os dispositivos criados por estes artistas exigem do seu público formas de actividade. A vita contemplativa dá aqui lugar a vita activa em que o publico é convocado a acompanhar o processo dinâmico de desenvolvimento das suas obras. As quais não estão imediatamente terminadas, mas são um processo que todos somos chamados a acompanhar e a, de algum modo, finalizar.
Para além da dynamis que estes artistas provocam, tendem a fazer um uso muito particular da tecnologia. Não se trata de expressar um fascínio pelas ferramentas mais contemporâneas de construção de imagens e objectos, mas de encontrar outras constelações energéticas. Se à maneira de Heidegger, entendermos a tecnologia enquanto
conjunto de energias e de possibilidades de acção, então estes artistas propõem-se explorar com o seu trabalho essas outras possibilidades muitas vezes distantes dos discursos artísticos correntes.
Mas este entendimento do lugar que o elemento tecnológico pode ter na construção dos objectos artísticos, é acompanhado por uma espécie de revelação do modo como usamos as coisas, ou seja, os Berru mostram-nos modalidades de usar diferentes ferramentas sejam elas aparelhos de som (emissão ou captura), computadores, fenómenos físicos como a energia de imans, entre muitos outos exemplos possíveis. Não se trata de desenvolver uma metafísica da tecnologia, mas realizar o movimento de descoberta dos ingredientes sensíveis inscritos nos objectos e em processos tecnológicos.
Fruto deste entendimento, estes artistas desenvolvem um léxico operativo muito particular em que acções como cortar, sobrepor, soldar, montar, são complementadas por outras formas de pesquisa como por exemplo a pesquisa sonora. Não que se possa dizerem serem estes artistas sonoros, nem desenvolvem qualquer tipo de crítica à torrente de imagens que caracteriza a vida contemporânea. Neste caso, o som é um princípio material que utilizam. E é um princípio porque eles, como se pode ver na obra performática apresentada na Artworks, não trabalham o som como quem esculpe uma pedra ou um pedaço de madeira. Não. O som é assumido como um elemento que perseguem – escutam – e dessa acção resulta a construção da forma. Talvez não seja por acaso que o nome que escolheram para si mesmos evoque, imediatamente, a matriz sonora da sensibilidade, mas também da acção: implica escutar (aquele que escuta o berru), mas também agir (aquele (s) que berra (m)).
Uma escuta que amplia os sons contidos pelas coisas – por exemplo um painel metálico – e os conduz através das formas. Deixar-se guiar pelo som e fazer com que a sonoridade se antecipe à visão (como na proposta performática realizada na conclusão da residência na Artworks) como elemento de exploração e conhecimento do mundo é uma das propostas destes artistas. Podemos dizer tratar-se de uma proposta radical porque implica uma espécie de reconfiguração das condições formais, materiais e sensíveis da recepção das obras de arte.
Esta descoberta da camada sonora que cobre todas as coisas tem como consequência compreender que cada indíviduo, cada coisa, cada acontecimento tem a sua própria
sonoridade e que este é um elemento fundamental da sua individualidade. Mas dar-se conta deste elemento é abrir uma dimensão material habitualmente desapercebida.
Enfrentar esta dimensão implica retomar as obras enquanto dispositivos dinâmicos e não como meras ferramentas estáticas de registo e interpretação do mundo. Como se cada obra, liberta do estado museológico da contemplação, retomasse a sua função originária de agir no e sobre o mundo.
Entender que a prática artística é não só uma prática produtora de conhecimento das coisas e da realidade, mas também uma forma de acção sobre o tecido da realidade é uma das consequências do trabalho destes artistas. Trata-se de exigir que as obras de arte, enquanto configurações particulares de um certo saber do mundo, não sejam neutralizadas através dos dispositivos museológicos ou expositivos, mas retomem a sua função de ferramentas de acção no mundo.“
Texto por Nuno Crespo.
Os Berru são um colectivo de artistas que tem vindo a desenvolver um conjunto de trabalhos baseados não tanto numa ideia de disciplina artística, mas sim numa ideia de
exploração de mecanismos, conceitos a materiais muito diferenciados. Trabalham indistintamente com imagens em movimento, escultura, som, new media sendo que há
sempre um elemento performático e muito dinâmico em todas as obras que desenvolvem.
Esse elemento dinâmico acontece quer no momento da concepção das suas obras, quer na experiência que o público faz delas. Não se trata de uma forma de participação ou de activação das obras, mas os dispositivos criados por estes artistas exigem do seu público formas de actividade. A vita contemplativa dá aqui lugar a vita activa em que o publico é convocado a acompanhar o processo dinâmico de desenvolvimento das suas obras. As quais não estão imediatamente terminadas, mas são um processo que todos somos chamados a acompanhar e a, de algum modo, finalizar.
Para além da dynamis que estes artistas provocam, tendem a fazer um uso muito particular da tecnologia. Não se trata de expressar um fascínio pelas ferramentas mais contemporâneas de construção de imagens e objectos, mas de encontrar outras constelações energéticas. Se à maneira de Heidegger, entendermos a tecnologia enquanto
conjunto de energias e de possibilidades de acção, então estes artistas propõem-se explorar com o seu trabalho essas outras possibilidades muitas vezes distantes dos discursos artísticos correntes.
Mas este entendimento do lugar que o elemento tecnológico pode ter na construção dos objectos artísticos, é acompanhado por uma espécie de revelação do modo como usamos as coisas, ou seja, os Berru mostram-nos modalidades de usar diferentes ferramentas sejam elas aparelhos de som (emissão ou captura), computadores, fenómenos físicos como a energia de imans, entre muitos outos exemplos possíveis. Não se trata de desenvolver uma metafísica da tecnologia, mas realizar o movimento de descoberta dos ingredientes sensíveis inscritos nos objectos e em processos tecnológicos.
Fruto deste entendimento, estes artistas desenvolvem um léxico operativo muito particular em que acções como cortar, sobrepor, soldar, montar, são complementadas por outras formas de pesquisa como por exemplo a pesquisa sonora. Não que se possa dizerem serem estes artistas sonoros, nem desenvolvem qualquer tipo de crítica à torrente de imagens que caracteriza a vida contemporânea. Neste caso, o som é um princípio material que utilizam. E é um princípio porque eles, como se pode ver na obra performática apresentada na Artworks, não trabalham o som como quem esculpe uma pedra ou um pedaço de madeira. Não. O som é assumido como um elemento que perseguem – escutam – e dessa acção resulta a construção da forma. Talvez não seja por acaso que o nome que escolheram para si mesmos evoque, imediatamente, a matriz sonora da sensibilidade, mas também da acção: implica escutar (aquele que escuta o berru), mas também agir (aquele (s) que berra (m)).
Uma escuta que amplia os sons contidos pelas coisas – por exemplo um painel metálico – e os conduz através das formas. Deixar-se guiar pelo som e fazer com que a sonoridade se antecipe à visão (como na proposta performática realizada na conclusão da residência na Artworks) como elemento de exploração e conhecimento do mundo é uma das propostas destes artistas. Podemos dizer tratar-se de uma proposta radical porque implica uma espécie de reconfiguração das condições formais, materiais e sensíveis da recepção das obras de arte.
Esta descoberta da camada sonora que cobre todas as coisas tem como consequência compreender que cada indíviduo, cada coisa, cada acontecimento tem a sua própria
sonoridade e que este é um elemento fundamental da sua individualidade. Mas dar-se conta deste elemento é abrir uma dimensão material habitualmente desapercebida.
Enfrentar esta dimensão implica retomar as obras enquanto dispositivos dinâmicos e não como meras ferramentas estáticas de registo e interpretação do mundo. Como se cada obra, liberta do estado museológico da contemplação, retomasse a sua função originária de agir no e sobre o mundo.
Entender que a prática artística é não só uma prática produtora de conhecimento das coisas e da realidade, mas também uma forma de acção sobre o tecido da realidade é uma das consequências do trabalho destes artistas. Trata-se de exigir que as obras de arte, enquanto configurações particulares de um certo saber do mundo, não sejam neutralizadas através dos dispositivos museológicos ou expositivos, mas retomem a sua função de ferramentas de acção no mundo.“
Texto por Nuno Crespo.